Fato ou Opinião?

Como Desenvolver o Pensamento Crítico desde os Anos Iniciais

Por que Precisamos Falar sobre Isso?

Imagine a seguinte cena: uma criança de 9 anos está navegando na internet e se depara com uma notícia que diz "Comer chocolate todos os dias faz bem para a saúde". Ela tem ferramentas para questionar essa informação? Sabe diferenciar um dado científico de uma opinião pessoal?

Vivemos em tempos desafiadores. Fake news circulam rapidamente. Redes sociais nos mostram apenas o que queremos ver. Discursos polarizados dominam conversas. Nesse cenário, uma competência se torna urgente: saber distinguir fatos de opiniões.

E o mais importante: essa habilidade pode e deve ser desenvolvida desde cedo, ainda nos primeiros anos escolares.

Foi com essa convicção que a professora Ana Cláudia Melo, da Escola Municipal Professora Lúcia Marcondes Machado Penido, criou uma experiência pedagógica transformadora com suas turmas de 4º e 5º anos. Ela transformou a sala de aula em um verdadeiro laboratório de pensamento crítico através do Jogo do Fato vs. Opinião.

Este artigo conta como aconteceu essa experiência e por que ela é tão importante para a formação de nossos estudantes.

O que Dizem os Documentos Oficiais?

Antes de entrarmos nos detalhes da atividade, é importante entender que essa competência não é uma invenção pedagógica. Ela está prevista nos principais documentos que orientam a educação brasileira.

A Base Nacional Comum Curricular

A BNCC estabelece uma habilidade específica para o 5º ano dentro do eixo de Leitura em Língua Portuguesa. A habilidade EF05LP04 define que os estudantes devem ser capazes de "diferenciar fatos de opiniões ou sugestões em textos informativos, jornalísticos e publicitários" (BRASIL, 2018).

Essa habilidade não existe isoladamente. Ela integra o desenvolvimento da competência leitora crítica, fundamental para formar cidadãos autônomos, que pensam por si mesmos e não apenas repetem o que ouvem ou leem.

As Avaliações Nacionais

O Sistema de Avaliação da Educação Básica, conhecido como SAEB, possui uma Matriz de Referência que guia as avaliações aplicadas em todo o país. O Descritor D8 dessa matriz avalia exatamente essa competência: "diferenciar um fato da opinião relativa a esse fato".

Portanto, não estamos falando de um "capricho pedagógico" ou de algo opcional. É uma competência reconhecida nacionalmente como essencial para que nossos estudantes desenvolvam proficiência em leitura.

O que a Pesquisa em Educação nos Ensina?

Isabel Solé, pesquisadora espanhola reconhecida internacionalmente por seus estudos sobre estratégias de leitura, nos ensina que ler criticamente significa muito mais do que decodificar palavras. Significa desenvolver capacidades como:

Identificar qual é a intenção de quem escreveu o texto. Distinguir o que é informação do que é interpretação pessoal. Avaliar se a fonte de informação é confiável. Construir uma opinião própria, fundamentada em critérios sólidos.

Já Luiz Antônio Marcuschi, importante linguista brasileiro, reforça uma ideia fundamental: a compreensão textual não é um processo passivo, em que simplesmente "pegamos" as informações de um texto. É um processo ativo de construção de sentidos, que exige discernimento e capacidade de análise.

Quando ensinamos uma criança a diferenciar fatos de opiniões, estamos ensinando muito mais do que um conteúdo específico. Estamos ensinando uma forma de se relacionar com a informação, com o mundo, com a vida.

A Experiência na Sala de Aula: Como Tudo Aconteceu

Vamos agora conhecer em detalhes como a professora Ana Cláudia estruturou essa experiência de aprendizagem.

Primeiro Momento: Construindo os Conceitos (15 minutos)

A aula começou com uma conversa. A professora não chegou já definindo o que é fato e o que é opinião. Ela trouxe situações do cotidiano e convidou os estudantes a pensarem juntos.

Começou com um exemplo simples e próximo da realidade das crianças. Escreveu no quadro: "Hoje está chovendo". Depois perguntou: "Isso é algo que podemos verificar? Posso olhar pela janela e confirmar se é verdade ou não?" As crianças concordaram que sim. "Então isso é um FATO", ela explicou. "É algo verificável, que não depende do que eu acho ou deixo de achar."

Em seguida, escreveu: "A chuva é chata". Novamente perguntou: "Todo mundo concorda com isso? Para algumas pessoas, a chuva pode ser chata. Para outras, pode ser agradável. Depende do ponto de vista de cada um, certo?" As crianças começaram a perceber a diferença. "Isso é uma OPINIÃO", ela explicou. "É um julgamento pessoal, que não pode ser verificado como verdadeiro ou falso."

A partir desses exemplos simples, a turma foi construindo coletivamente os critérios para diferenciar fatos de opiniões. A professora registrou no quadro:

Um FATO pode ser verificado. Não importa quem observa, a informação é a mesma. Exemplos: datas, números, localizações geográficas, resultados de jogos.

Uma OPINIÃO é um julgamento pessoal. Depende do ponto de vista de quem fala. Exemplos: avaliações (bom/ruim, bonito/feio), preferências, interpretações.

Segundo Momento: Praticando Juntos (10 minutos)

Antes de partir para o jogo, a professora propôs que analisassem juntos três sentenças. Ela queria ter certeza de que todos haviam compreendido os critérios.

Primeira sentença: "Querência fica no estado de Mato Grosso". A turma foi unânime: é um fato. Podemos verificar em um mapa. Está correto independentemente de quem observa.

Segunda sentença: "Querência é a cidade mais bonita do Brasil". Aqui começou o debate interessante. Alguns estudantes inicialmente disseram que era fato, afinal Querência é bonita mesmo! Mas a professora provocou: "Se eu chamar alguém de outra cidade, essa pessoa vai concordar? Existe algum critério objetivo para medir qual cidade é mais bonita?" As crianças perceberam que não, que isso depende do gosto de cada pessoa. Conclusão: é opinião.

Terceira sentença: "Trabalhar na roça é melhor do que trabalhar na cidade". Mais debate rico. A professora ajudou a turma a perceber que não existe um "melhor" universal. Depende dos valores, preferências e circunstâncias de cada pessoa. Mais uma opinião identificada.

Esses momentos de análise conjunta foram fundamentais. Não era a professora dando a resposta pronta, mas a turma construindo coletivamente o raciocínio.

Terceiro Momento: O Jogo Propriamente Dito (30 minutos)

Agora sim, começou a parte mais dinâmica e envolvente da aula. A professora dividiu a turma em quatro equipes e explicou as regras do jogo.

Cada equipe receberia dez sentenças para classificar como fato ou opinião. Para cada classificação correta, ganhariam um ponto. Mas atenção: não bastava dizer "é fato" ou "é opinião". Era preciso justificar por quê. Uma justificativa consistente valia mais um ponto.

Para tornar tudo mais emocionante, havia alguns elementos de gamificação. Um placar visível mostrava a pontuação de cada equipe em tempo real. Havia um cronômetro marcando dois minutos para cada rodada. Cada equipe tinha direito a uma "ajuda do especialista" por jogo, ou seja, podiam pedir socorro à professora uma vez. E havia uma rodada bônus no final, com uma sentença desafio que valia pontuação dupla.

As sentenças foram cuidadosamente selecionadas pela professora. Ela usou contextos familiares aos estudantes, conectando o conteúdo à realidade de Querência e da vida no campo. Alguns exemplos:

"A soja é uma das principais culturas agrícolas da nossa região" – Os grupos identificaram como fato, pois é um dado econômico verificável em estatísticas.

"O jogo de ontem terminou 3 a 2" – Fato, resultado verificável e registrado.

"O time jogou muito mal" – Aqui os debates ficaram mais acalorados! Alguns insistiram que era fato porque "realmente jogaram mal". Mas aos poucos perceberam que "jogar mal" é uma avaliação subjetiva. Opinião!

O clima na sala era de concentração intensa misturada com entusiasmo. Os grupos discutiam entre si, argumentavam, mudavam de ideia. Quando havia divergência entre as equipes sobre uma sentença, a professora promovia um debate geral, sempre voltando aos critérios estabelecidos no início da aula.

Quarto Momento: Refletindo sobre o Aprendizado (10 minutos)

Depois da animação do jogo, era hora de sistematizar as aprendizagens. A professora conduziu uma conversa reflexiva com perguntas abertas:

"O que vocês aprenderam hoje?"

"Por que é importante saber diferenciar fatos de opiniões?"

"Em que situações do dia a dia podemos usar isso que aprendemos?"

As respostas das crianças mostraram que o aprendizado havia sido significativo. Elas mencionaram exemplos como: ao assistir noticiários, ao conversar com familiares, ao ver propagandas, ao navegar na internet.

A professora fechou a aula conectando o conteúdo com questões atuais, como a proliferação de notícias falsas e a importância de desenvolvermos nosso senso crítico.

Por que Essa Metodologia Funciona Tão Bem?

A experiência da professora Ana Cláudia não foi criada ao acaso. Mesmo que intuitivamente, ela aplicou princípios pedagógicos importantes, validados por pesquisas na área de educação.

Aprendizagem Ativa

Pesquisadores norte-americanos chamados Bonwell e Eison demonstraram algo importante em seus estudos: estudantes retêm muito melhor o conhecimento quando participam ativamente do processo de aprendizagem, em vez de apenas receberem informações passivamente.

Ao transformar o conteúdo em jogo, a professora colocou os estudantes no centro da ação. Eles não estavam apenas ouvindo sobre fatos e opiniões. Estavam praticando, debatendo, argumentando, pensando.

Construção Social do Conhecimento

O psicólogo russo Lev Vygotsky nos ensinou algo revolucionário: o conhecimento se constrói nas interações sociais. Aprendemos não apenas sozinhos, mas especialmente quando interagimos com outras pessoas, trocamos ideias, enfrentamos divergências.

O trabalho em grupos e os debates promovidos pela professora materializaram essa teoria. Quando uma equipe discordava da outra, quando havia opiniões diferentes dentro do mesmo grupo, esses momentos de "conflito cognitivo" eram preciosos para a aprendizagem.

Desenvolvendo a Metacognição

Metacognição é um termo técnico que significa algo relativamente simples: pensar sobre o próprio pensamento. Quando os estudantes precisavam justificar suas escolhas, explicar por que classificaram determinada sentença como fato ou opinião, eles estavam exercitando exatamente isso.

Pesquisas mostram que a metacognição é uma das competências que melhor predizem o sucesso acadêmico. Estudantes que desenvolvem a capacidade de refletir sobre seus próprios processos de raciocínio tendem a ter melhor desempenho em todas as áreas.

Aprendizagem Significativa

David Ausubel, importante teórico da educação, defendeu que a aprendizagem se torna significativa quando os novos conhecimentos se ancoram em conhecimentos que o estudante já possui.

A professora aplicou esse princípio ao usar exemplos da realidade local. Falar sobre Querência, sobre a agricultura da região, sobre situações do cotidiano das crianças fez com que o conteúdo fizesse sentido real para elas.

Quais Competências Foram Desenvolvidas?

Quando analisamos essa experiência à luz das Competências Gerais da Base Nacional Comum Curricular, percebemos que a atividade mobilizou múltiplas dimensões da formação integral dos estudantes.

A Competência 1, que trata do conhecimento, foi desenvolvida quando os estudantes aplicaram conceitos linguísticos em situações práticas e concretas.

A Competência 2, sobre pensamento científico, crítico e criativo, foi exercitada intensamente. Os estudantes precisaram analisar, classificar, argumentar de forma fundamentada.

A Competência 4, relacionada à comunicação, foi mobilizada quando defenderam suas posições oralmente, escutaram os argumentos dos colegas e negociaram significados.

A Competência 7, sobre argumentação, ganhou vida quando os estudantes precisaram justificar suas escolhas com base em critérios estabelecidos, não apenas em "achismos" ou intuições.

A Competência 9, que trata de empatia e cooperação, foi praticada no trabalho em equipe e no respeito às diferentes opiniões expressas durante os debates.

E a Competência 10, sobre responsabilidade e cidadania, foi tocada quando os estudantes compreenderam a importância do pensamento crítico para a participação social consciente.

Os Resultados: O que Mudou na Prática?

Durante a Própria Atividade

A primeira observação da professora foi sobre o engajamento. Todos os estudantes, sem exceção, participaram ativamente. Até mesmo aqueles habitualmente mais quietos se envolveram nos debates dentro de seus grupos.

Outro resultado impressionante foi a evolução da qualidade das argumentações ao longo da atividade. No início, as justificativas eram simples e pouco elaboradas: "É fato porque sim", "É opinião porque eu acho". Mas aos poucos, conforme os debates avançavam, as justificativas foram se tornando mais sofisticadas: "É fato porque podemos verificar essa informação consultando um documento", "É opinião porque depende do ponto de vista de cada pessoa".

A cooperação dentro dos grupos também chamou atenção. Os estudantes desenvolveram espontaneamente estratégias colaborativas: alguns propunham uma divisão de tarefas, outros garantiam que todos tivessem voz, alguns sugeriram fazer votação interna quando havia dúvida.

E talvez o mais importante: o pensamento crítico começou a emergir. Estudantes passaram a questionar sentenças que inicialmente pareciam simples, demonstrando que o "radar crítico" estava sendo ativado.

Nas Semanas Seguintes

Os impactos não ficaram restritos ao momento da atividade. A professora observou que, nas semanas seguintes, os estudantes começaram a aplicar espontaneamente a distinção entre fato e opinião em outros contextos.

Durante a leitura de notícias em outras aulas, crianças levantavam a mão para comentar: "Professora, essa parte aqui é opinião do jornalista, não é?" Ou: "Isso é um fato, dá pra verificar".

Em discussões sobre eventos da escola, surgiam comentários como: "Isso é sua opinião" ou "Mas onde está o fato?".

Ao analisarem propagandas e vídeos, os estudantes demonstravam postura mais questionadora, identificando afirmações que eram opiniões disfarçadas de fatos.

A produção textual também apresentou melhora. Nas atividades de escrita argumentativa, os estudantes demonstraram maior clareza ao diferenciar os dados que estavam apresentando (fatos) de suas próprias interpretações (opiniões).

E os debates em sala de aula ganharam nova qualidade. As crianças desenvolveram melhor capacidade de escuta ativa, conseguindo ouvir argumentos contrários antes de rebater, e compreendendo que mudar de ideia diante de um bom argumento é sinal de inteligência, não de fraqueza.

Alguns Números

A professora registrou alguns dados quantitativos interessantes. A taxa média de acertos na classificação das sentenças foi de 85%, um resultado excelente considerando a complexidade de algumas frases.

Das justificativas apresentadas, 70% foram consideradas consistentes ou muito consistentes, demonstrando que não era apenas "chute" ou sorte.

E em termos de participação oral durante os debates, 95% dos estudantes se manifestaram pelo menos uma vez, o que é um índice muito alto de envolvimento.

A Conexão com a Educação Midiática

Esse trabalho desenvolvido pela professora Ana Cláudia está profundamente conectado com algo que os educadores chamam de "educação midiática" ou "letramento midiático".

A BNCC propõe um campo de atuação específico chamado Campo Jornalístico-Midiático, cujo objetivo é possibilitar aos estudantes lidar de forma crítica e reflexiva com textos jornalísticos e publicitários.

Por que isso é tão importante? Vivemos em uma era digital. Nossas crianças e adolescentes estão cada vez mais expostos a conteúdos na internet, em redes sociais, em aplicativos de mensagens. Muitas vezes, esses conteúdos vêm sem nenhum tipo de curadoria ou verificação.

Desenvolver a capacidade de questionar, de verificar fontes, de avaliar informações não é apenas relevante para o desempenho escolar. É urgente para a vida em sociedade.

David Buckingham, pesquisador britânico reconhecido mundialmente como referência em educação midiática, argumenta que formar leitores críticos da mídia é tão importante quanto ensinar a ler e escrever no sentido tradicional.

A atividade da professora Ana Cláudia dá passos concretos nessa direção. Ela está formando crianças que, no futuro, serão menos vulneráveis a fake news, propagandas enganosas e manipulações discursivas.

O que as Crianças Têm a Dizer?

Nada melhor do que ouvir as próprias crianças para compreender o impacto real da experiência.

Pedro Henrique, 10 anos, do 5º ano, compartilhou: "Eu achava que opinião e fato era a mesma coisa. Agora eu sei que tem diferença. Quando meu tio fala que o time dele é o melhor, eu já sei que é opinião dele!" A fala de Pedro mostra algo precioso: ele transferiu o aprendizado para sua vida cotidiana, para as conversas familiares.

Júlia Maria, 9 anos, do 4º ano, comentou: "Foi difícil algumas! Tinha frase que parecia fato mas era opinião. A gente tinha que pensar muito." A fala de Júlia revela que ela compreendeu que o exercício do pensamento crítico exige esforço, não é automático.

Lucas Gabriel, 10 anos, do 5º ano, destacou outro aspecto: "O melhor foi quando o grupo discordava. Aí a gente tinha que explicar por que achava aquilo. Às vezes eu mudava de ideia quando ouvia os outros." Lucas aprendeu algo fundamental sobre argumentação e sobre flexibilidade cognitiva.

Expandindo a Experiência

Inspirada no sucesso dessa atividade, a professora já está planejando expandir a abordagem para outros conceitos igualmente importantes.

Ela pretende trabalhar com causa e consequência, ajudando os estudantes a identificarem relações lógicas em narrativas e textos informativos. Por exemplo, diferenciar o que causou determinado acontecimento do que foi consequência dele.

Também planeja abordar tese e argumento, ensinando a reconhecer qual é o posicionamento defendido em um texto e quais são as justificativas apresentadas para sustentar esse posicionamento.

Outra possibilidade é trabalhar com informação versus propaganda, ajudando os estudantes a distinguirem textos que têm função informativa daqueles que têm função persuasiva, querendo vender algo ou convencer alguém.

E por fim, pretende abordar a avaliação de fontes, ensinando critérios para diferenciar fontes confiáveis de fontes não confiáveis na internet.

Cada uma dessas competências será trabalhada com a mesma metodologia ativa, lúdica e participativa que funcionou tão bem no Jogo do Fato vs. Opinião.

Um Guia Prático para Outros Educadores

Se você é professor ou professora e ficou inspirado por essa experiência, aqui vão algumas orientações práticas de como replicar algo similar em sua sala de aula.

Prepare Bem o Terreno Conceitual

Não tenha pressa em chegar ao jogo. Invista tempo generoso na explicação dos conceitos antes da parte lúdica. Use muitos exemplos cotidianos e significativos para seus estudantes. Construa um "quadro de critérios" de forma coletiva, registrando no quadro ou em cartaz as características de um fato e de uma opinião.

Escolha as Sentenças com Cuidado

Comece sempre com sentenças muito simples e óbvias, para garantir que todos compreendam. Depois, avance gradualmente para casos mais complexos e sutis. Use sempre contextos que sejam familiares aos seus estudantes, conectando o conteúdo à realidade deles. E inclua propositalmente algumas sentenças "polêmicas", que gerem debate, pois é justamente no debate que a aprendizagem mais acontece.

Monte Grupos Heterogêneos

Ao formar as equipes, procure misturar estudantes de diferentes níveis de proficiência. Isso enriquece as trocas. Garanta que todos tenham voz dentro do grupo, estabelecendo se necessário um sistema de rodízio. Você pode definir papéis específicos: um leitor, um escriba que anota as respostas, um porta-voz que apresenta as conclusões, um conferente que revisa as justificativas.

Gerencie os Debates com Sabedoria

Estabeleça regras claras de convivência desde o início. Valorize sempre os argumentos apresentados, não apenas as respostas certas ou erradas. Quando houver conflitos, medeie sempre voltando aos critérios estabelecidos coletivamente no início da aula. E celebre as mudanças de opinião como sinal de pensamento flexível e aberto, não como "fraqueza".

Sistematize as Aprendizagens

Reserve sempre um tempo ao final para reflexão metacognitiva. Faça perguntas abertas como: "O que vocês aprenderam hoje?", "Por que vocês acham que isso que aprendemos é importante?", "Onde vocês poderiam usar isso no dia a dia?". E conecte explicitamente o conteúdo trabalhado com situações reais que seus estudantes enfrentam: fake news, propagandas, discussões em família.

Materiais Necessários

Você não precisa de muita coisa. Sentenças impressas ou projetadas. Fichas para que os grupos registrem suas respostas. Um placar visível para acompanhamento da pontuação. Um cronômetro, que pode ser do celular. E se quiser, certificados para a equipe vencedora, algo simples mas que as crianças valorizam muito.

Quanto Tempo Vai Precisar?

Essa atividade funciona bem em uma aula de 60 a 70 minutos, ou pode ser dividida em duas aulas de 45 minutos cada. Você pode adaptar conforme a realidade de sua escola.

Adaptações por Nível

Se você trabalha com anos iniciais, do 1º ao 3º ano, use mais imagens e frases bem curtas. Para os anos finais, do 6º ao 9º ano, você pode incluir textos completos, como notícias inteiras ou posts de redes sociais. E no Ensino Médio, dá para analisar discursos políticos, artigos científicos ou editoriais de jornais.

Paulo Freire e a Leitura Crítica do Mundo

É impossível falar sobre pensamento crítico na educação brasileira sem mencionar Paulo Freire, nosso maior educador.

Freire nos ensinou que a leitura não começa e não se esgota na decodificação de palavras. A leitura da palavra está sempre precedida e é sempre acompanhada pela leitura do mundo. Ler criticamente significa ser capaz de perceber as intenções, os interesses, as ideologias presentes nos discursos.

Quando estudantes de 9 e 10 anos aprendem a distinguir fatos de opiniões, eles estão aprendendo algo muito mais profundo do que um conteúdo específico de Língua Portuguesa. Estão aprendendo que nem tudo que está escrito é verdade absoluta. Que nem toda informação é neutra. Que todo texto traz em si um ponto de vista, uma forma de ver o mundo.

Essa consciência é profundamente libertadora. É o que Freire chamava de "consciência crítica", a capacidade de ler o mundo não como algo dado, natural, imutável, mas como construção humana, passível de questionamento e de transformação.

A professora Ana Cláudia, ao desenvolver essa experiência pedagógica, está formando estudantes que não serão apenas bons leitores de textos, mas bons leitores da realidade, capazes de questionar, de se posicionar, de pensar por si mesmos.

Conclusão: Formando Mentes Livres

O Jogo do Fato vs. Opinião não é apenas uma atividade pontual que aconteceu em um dia na sala de aula. É uma semente de pensamento crítico plantada na mente de crianças que crescerão em um mundo cada vez mais saturado de informações.

A professora Ana Cláudia Melo demonstra compreensão profunda de algo essencial: educar não é encher cabeças de conteúdo, como se fossem recipientes vazios. Educar é formar mentes capazes de pensar por si mesmas, de questionar, de analisar, de decidir.

Os estudantes que hoje classificam sentenças em um jogo animado na sala de aula serão, amanhã, cidadãos capazes de avaliar discursos políticos, identificar notícias falsas, questionar propagandas enganosas e participar ativamente dos debates públicos de forma consciente e fundamentada.

Como disse o educador brasileiro Rubem Alves: "Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra."

Que sigamos ensinando nossos estudantes a ver o mundo com olhos críticos, questionadores e, sobretudo, livres. Que formemos não apenas estudantes competentes, mas cidadãos conscientes. Que plantemos em cada criança a semente da dúvida saudável, do questionamento construtivo, da busca pela verdade.

O futuro da nossa sociedade depende de pessoas capazes de pensar criticamente. E esse futuro está sendo construído agora, neste exato momento, em salas de aula como a da professora Ana Cláudia, onde estudantes aprendem que questionar não é desrespeitar, duvidar não é negar, e pensar por si mesmo é o maior ato de liberdade.

Referências

ALVES, Rubem. Por uma educação romântica. Campinas: Papirus, 2012.

BONWELL, Charles; EISON, James. Active learning: creating excitement in the classroom. Washington: ASHE-ERIC, 1991.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC, 2018.

BUCKINGHAM, David. Cultura digital, educação midiática e o lugar da escolarização. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 37-58, 2010.

FLAVELL, John H. Metacognition and cognitive monitoring: a new area of cognitive-developmental inquiry. American Psychologist, v. 34, n. 10, p. 906-911, 1979.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.

VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Texto elaborado com carinho pela equipe pedagógica da EMEB Professora Lúcia Marcondes Machado Penido.